E a liberalização comercial?
16/01/2019

Para o especialista José Tavares, política comercial do novo governo aponta no rumo certo, mas há o desafio delicado do sequenciamento das medidas.

Uma das áreas em que há muito o que liberalizar no Brasil, de acordo com o evangelho econômico do novo governo, é a política comercial. O País se caracteriza por ser uma das economias mais fechadas do mundo, com tarifas comparativamente altas e um histórico recente medíocre em termos de negociação de acordos de livre comércio. Na política industrial, alma gêmea da comercial, o protecionismo se faz na base de subsídios a favor de conteúdo local e labirínticas regras de processo produtivo básico, que estão na raiz de setores industriais defasados e sem competitividade internacional. Para só falar de alguns aspectos mais salientes do aparato protecionista nacional.

O economista José Tavares, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), no Rio, está relativamente otimista quanto às perspectivas da política comercial no governo de Jair Bolsonaro. Especialista na área e defensor da abertura comercial unilateral, Tavares frisa que é favorável à agenda econômica do novo governo, mas crítico das pautas conservadoras em costumes e valores.

Quanto ao discurso “antiglobalista” do novo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o economista do Cindes diz não se preocupar. Ele prevê que as ideias de Araújo, nas quais não vê a menor graça, vão acabar não tendo influência relevante na política comercial.

Tavares ressalva que não tem informações concretas sobre qual será a política comercial do novo governo, mas, baseado no que vêm dizendo membros do novo governo, com destaque para Guedes, aposta que haverá “o anúncio de uma proposta de abertura comercial unilateral e gradual ao longo dos próximos quatro anos”.

O maior desafio nessa área, continua o especialista, será o do sequenciamento. Guedes já deu sinais de que considera justo que a abertura comercial seja acompanhada de reformas vigorosas para atacar problemas de competitividade das empresas nacionais, das quais a tributária é mais importante.

O economista do Cindes tem uma posição um pouco mais dura nessa discussão, e acha que parte considerável dos apelos da indústria nacional pela equalização das condições de competitividade com os rivais do exterior na hora de abrir não se justificam e, no fundo, são lobby protecionista. Ele cita várias empresas do Brasil que brilham no cenário internacional, como a GE-Celma de manutenção de turbinas de avião, em Petrópolis (RJ), que, mesmo tendo sido adquirida pela multinacional GE, tem uma operação inteiramente brasileira. E, principalmente, Tavares lembra que um dos maiores problemas de competitividade da indústria brasileira como um todo é justamente o preço caro pago pela proteção a setores de bens intermediários e de capital.

De qualquer forma, levando em conta que o policymaker move-se num mundo em que economia e política tem que andar de mãos dadas, Tavares acha razoável que a abertura comercial avance junto com a pauta de redução do custo Brasil, tal como parece ser a visão de Guedes.

Ele observa que a escolha de Marcelo Guaranys para a secretaria-executiva do Ministério da Economia é positiva para um correto sequenciamento da abertura comercial, em sincronia com outros avanços da pauta econômica do governo. Para Tavares, a nomeação de Guarany revela um bem-vindo (e, para alguns críticos, insuspeitado) traço de modéstia na personalidade de Guedes. A razão é que o ministro da Economia, sem experiência anterior de governo, escolheu para principal auxiliar, que tocará o dia a dia do Ministério, alguém com perfil ideológico muito discreto e fartos conhecimento e experiência da máquina pública, numa longa carreira que incluiu a presidência da Agência Nacional de Avião Civil (ANAC).

Tavares, finalmente, alerta que a redução de tarifas é apenas um dos pontos de uma longa agenda para desmontar o aparato protecionista brasileiro, se, de fato, a nova abordagem liberal da política econômica é para valer. Há uma longa lista de temas espinhosos, incluindo a Zona Franca de Manaus, a gestão dos portos e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAC), a abordagem correta do Mercosul, etc.

De qualquer forma, ele antevê que o governo siga um bom caminho na política comercial: “A orientação está correta, e minha maior preocupação são os acidentes de percurso”, conclui o economista, referindo-se aos vários episódios em que Bolsonaro e sua equipe econômica bateram cabeça nestes primeiros dias de governo.

FONTE: ESTADÃO

Assine nossa newsletter!

    Aceito a Política de Privacidade


    Aceito receber informativos por e-mail, SMS e WhatsApp.

    Precisa de Ajuda?
    Fale Conosco!